Acessibilidade no dia a dia

Siva Bianchi, arq, M.Sc.

Outro dia, no aniversário de minha filha, preparei-lhe uma surpresa. Ela gosta muito de determinada torta, e assim, como "bolo de aniversário" encomendei sua guloseima preferida. Chegado o momento de cantar os parabéns fui à cozinha preparar a surpresa, ou seja, tirar a torta da caixa onde estava escondida, colocar em um prato e ascender as velinhas. Para isso fechei a porta da cozinha, que na minha casa tem ligação direta com a sala. Arrumei tudo e com a bandeja nas mãos, como abrir a porta? A maçaneta é daquelas redondas, lisas, (figura 1a) bonitas mas não funcionais pois preciso de ter uma das mãos livres para conseguir abrir a porta.

Neste momento, em uma situação não tão incomum assim, e mesmo tendo o aspecto dito 'normal', não consegui abrir a porta. E aí? Quais as soluções? Bem, a primeira que passa pela cabeça é trocar a maçaneta por uma em forma de alavanca, (figura 1b) mas também é possível trocar a porta por vai e vem ou mesmo colocar um sensor de presença. Ou seja, as soluções são várias, mas devem ser propostas quando da especificação do projeto.

a maçaneta redonda b maçaneta de alavanca Fig. 1 a e b - Imagens do site http://www.pado.com.br/fechaduras.php.

Quando se fala em acessibilidade, qualidade daquilo que permite fácil acesso, talvez em função da mídia associa-se a permitir o acesso àquele bem a pessoas que têm alguma disfunção, com alguma deficiência, nem que seja passageira. Geralmente casos como o citado acima não faz parte deste grupo, que mal existe, para uma pessoa dentro de padrões normais, pousar o objeto que se tem nas mãos para se abrir uma porta?

O cotidiano é esquecido ou pouco lembrado e mais precisamente no local onde se vive, em nossa casa, onde se passa grande parte do tempo. Nunca é demais lembrar que uma casa acessível é também mais segura.

Falar de acessibilidade no cotidiano tem-se como ponto importante o lugar onde se mora. É dentro de casa que acontecem grande parte dos acidentes, mas que podem ser evitados ao se tomar pequenos cuidados.

É um assunto que interessa a um grande número de profissionais, das mais diversas áreas de conhecimento desde designers, arquitetos, até a médicos.

No caso mencionado no início deste artigo, como abrir uma porta com as mãos ocupadas, pode ser vivido por inúmeras pessoas, cabendo a profissionais que lidam com projetos de espaços ou objetos que são utilizados constantemente pelas pessoas pensar suas possibilidades, e propor formas de resolver a questão, ou mesmo propô-la a outros profissionais. Desta maneira, maçanetas em forma de alavanca ou outro tipo que possam ser acionadas por cotovelos, braços ou mesmo por outros objetos como bengalas, devem ser propostas independente da edificação ser específica para deficientes, idosos, mas pensando que podemos ser um deles ou mesmo ter alguma necessidade especial em determinado momento. Sua altura também passa a fazer parte dos vários conhecimentos que as pessoas adquirem "inconscientemente". É quase o mesmo de quem dirige um veículo. Se for "pensar conscientemente" em tudo que deve fazer para movimentar o veículo, provavelmente se envolverá em algum acidente, mas o motorista simplesmente sabe o que fazer.

Continuando pensando na fechadura de uma porta, sua maneira de trancar, se interna, de quartos, banheiros ou externa, aquela que dá acesso à casa permite também varias questões a serem estudadas. Imaginando, por exemplo, um machucado no polegar, este pequeno acidente limita os movimentos e mover uma chave convencional se torna difícil. Pensando nas pessoas que por um acaso têm algum problema na articulação dos dedos, como é o caso de uma artrose , que pode limitar os movimentos dos dedos, impedindo alguns movimentos. Existem fechaduras a cartão, que ainda são caras, mas pode-se pensar em outros tipos de fechaduras, como as dos veículos, que são acionadas sob pressão, e que permitem maior facilidade para destrancar ou trancar uma porta, ou mesmo aquelas que lembram teclado de telefone ou calculadora, basta digitar seu código de acesso, sua chave, e para destrancar ou mesmo abrir a porta. Muitos modelos já existem, para as mesmas funções em outras condições, deve-se então pensar em utilizá-las.

Se a porta foi aberta, falta agora ultrapassá-la, qual deverá ser dimensão para permitir acesso fácil?. Geralmente as portas de acesso à residência são as mais largas para permitir o acesso de equipamentos, mobiliário, ou seja, pensa-se em bens materiais e a pessoa é esquecida. Os ditos normais não têm problemas para ultrapassar um vão, mesmo mais estreito, pode-se virar de lado, mas aí sim, deve-se pensar em todo o tipo de pessoa, seja na mãe com seu filho de colo até aquele que necessita de uma cadeira de rodas para se locomover. Neste caso específico, o projeto é que deve contemplar esta exigência, principalmente nas circulações. Um vão, de maneira geral pode ser modificado, mas uma circulação necessita de grande obra para ser alargada e permitir que a pessoa que não consegue se locomover sem que seja de cadeira de rodas possa passar sem destruir as paredes da circulação e o mais importante, possa passar sem precisar ser empurrada. Assim haverá a possibilidade de um deficiente motor morar sozinho ou se alguém que more só se acidentar não precisar sair de casa para ficar curado.

Voltando ao bolo de aniversário sobre a bandeja, qual a dimensão para a pessoa passar segurando a bandeja? E se fosse uma cadeira? Manter dimensões confortáveis torna o ambiente mais agradável e mais seguro ao serem evitadas batidas contra portas, maçanetas ou obrigar a alguns malabarismos os habitantes da residência.

Outra questão importante na definição de um projeto para uma residência é pensar sobre sua durabilidade. Não falo aqui tanto dos móveis e equipamentos que realmente têm um tempo limitado de vida, mas a própria edificação. Imóveis são feitos, geralmente, para durar anos, 40, 50 anos sem grandes reformas, e está certo que o homem vive, atualmente, por volta de 80 anos. Na vida humana, vários ciclos se sucedem. Ao nascer o homem, a criança, necessita de grande aparato para seu desenvolvimento, como, carrinhos de bebe, banheiras especiais, quando aprendem a andar precisam de espaço. Depois surgem os triciclos, as bicicletas, tornam-se adultos e envelhecem necessitando também de uma série de equipamentos para melhorar suas habilidades, como bengalas, apoios e espaços que evitem os tão preocupantes acidentes como as quedas.

Ao se pensar que qualquer objeto arquitetônico é feito para o homem, deve-se ter sempre em mente suas dimensões, seu ciclo biológico. Como diz Lucio Costa , "arquitetura é para ser vivida" importando ao arquiteto "naqueles sucessivos processos de escolha a que afinal se reduz a elaboração do projeto" pensar no homem, na técnica mas principalmente agir com intenção. Imaginar como age a pessoa no espaço criado para abrigá-lo, imaginar o passar dos anos e intencionalmente propor soluções que permitam ao homem sua facilidade de locomoção neste ambiente, que se tornará de uso diário.

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